Quando Hannah Arendt, em “As origens do totalitarismo” (1951), afirmou que “O sujeito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto; são as pessoas que acreditam que a distinção entre fato e ficção e a distinção entre verdadeiro e falso não existem mais”, ela jamais imaginaria que estivesse antecipando a existência de tempos extremamente disruptivos: a “gripezinha” assassina e célere da Covid-19; a era da pós-verdade e a insanidade do ressurgimento de ideias totalitárias.
Estima-se que a “Gripe Espanhola”, em 1918, tenha matado quase 300 mil brasileiros; já o coronavírus SARS-CoV-2 levou a óbito, apenas no Brasil, mais de 700 mil pessoas. Diante de desconhecimento a respeito da doença, imobilismo de autoridades e ceticismo de parte da população, assistimos a um “filme” de terror que deixou o clássico “Nosferatu”, de 1922, parecendo canção de embalar recém-nascidos. Em um “Tempo Líquido” (Bauman) no qual realidade e virtualidade fundem-se, afloram pensamentos repletos de misticismo e crendices que aviltam a razão e a ciência.
A Academia Brasileira de Letras (ABL) cita que a palavra “pós-verdade” refere-se “ao momento em que a verdade já não é mais importante como já foi”. Cunhada em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, o termo adquiriu relevância a partir da disseminação das mídias sociais nos anos 2000.
Importante esclarecer que o prefixo “pós” não se refere a um tempo futuro; mas a momento que a certificação da verdade tornou-se irrelevante. Assim, pululam, aqui e acolá, estultices como a taxação do PIX ou que Zelenski comprou a Mercedes que pertencera a Hitler.
Desse modo, essas Fake News disseminam notícias inverídicas para influenciar a opinião pública e levar à desinformação e obter vantagens políticas e/ou econômicas.
A ascensão da extrema-direita no mundo não é um fenômeno novo; porém, expandiu-se a partir da crise econômica do início deste século, intensificada por fenômenos como “desnacionalização”, multiculturalismo, aumento da imigração e globalização. Apesar da heterogeneidade, a extrema-direita não rechaçou completamente o neoliberalismo; contudo, aproveitou-se da conjuntura de econômico-financeira para fortalecer as pautas identitárias, populistas e antidemocráticas.
A contemporaneidade tecnológica reviveu um tipo de indivíduo: inocente útil, aquele que acredita em tudo que circula na internet, aquele que é influenciável, aquele que possui conceitos rasos, aquele que desconhece a própria identidade, aquele que quer ser aceito em determinado estrato social; portanto, incapazes de exercer o princípio da autonomia.
Indivíduos que representam parcela significativa da população e estão presentes nas diversas camadas da sociedade: desde carregadores de bandeiras até presidentes da república.
Em “Como as democracias morrem” (2018), de Daniel Zimblatt e Steven Levitsky, os professores de Harvard vaticinaram: “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos -presidentes ou primeiros-ministros - que subvertem o próprio processo que os levou ao poder”, aliás, não há melhor exemplo do que a tentativa do “8 de Janeiro”.
Sérgio Cintra é professor de Linguagens e está servidor do TCE-MT
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