“De acordo com o Dieese, o salario mínimo de 2025, para garantir o poder de compra/poder aquisitivo que tinha em 1940 e “cobrir” as despesas de uma família, que hoje tem em média entre 3 a 4 pessoas, deveria ser de R$ 7 mil reais, garantindo assim, dignidade para a classe trabalhadora”. (Dieese - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) 06/02/2025
A fome, a pobreza, a miséria, enfim, a exclusão das grandes massas tanto no Brasil quanto em todos os países não é castigo de Deus, nem obra do satanás, nem destino de tantas pessoas; mas sim, fruto da exploração, da espoliação, das injustiças, da ganância dos poderosos e, também, por políticas públicas, ações e omissões dos donos do poder, que quase sempre são os exploradores do povo, que manipulam a opinião pública em geral e os pobres e excluídos em particular.
Estamos às vésperas de mais um 1º DE MAIO, dia do trabalho, melhor dizendo, DIA MUNDIAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS, celebrando algumas poucas conquistas, fruto de muita luta, como foi a instituição do salário mínimo no Brasil, ocorrida há 85 anos, durante a ditadura do Governo Vargas.
Ao longo desses 85 anos o poder de compra, ou seja, o poder aquisitivo do salário mínimo perdeu 78,3% do que era em 1940, isto quer dizer que o salário mínimo de 2015 vale, em termos de poder de compra apenas 21,7% do que com o mesmo salário o trabalhador comprava naquele ano, em parte pelo descompasso entre a inflação acumulada nessas mais de oito décadas e as correções que foram feitas ao salário mínimo. Essa distorção se deve, principalmente `as políticas de sucessivos governos, que contribuíram para o empobrecimento das massas trabalhadoras e favoreceram a acumulação de capital, renda e riqueza dos proprietários dos meios de produção.
Por isso é que a inflação promove a transferência de renda dos trabalhadores e das camadas pobres e miseráveis da socieda as as elites econômicas e políticas. Este é o fator primordial da existência da pobreza, da miséria e da fome em nosso país, razão pela qual o combate `as desigualdades regionais, sociais e setoriais não se faz com políticas assistencialistas, mas sim, com reformas estruturais profundas, o que nunca tem sido feito pelos donos do poder.
O Brasil é um dos países com os maiores índices de concentração de renda no mundo. A concentração de renda, enfim, a desigualdade existente nos países é medida/mensurada pelo ÍNDICE DE GINI.
Neste ano de 2025, o Brasil entre os países do BRICs só perde para a África do Sul quando o assunto e desigualdade x concentração de renda, o mesmo acontece entre os países do G20 e na América do Sul só a Colômbia apresenta índices de desigualdade econômica e social pior do que o Brasil. Mesmo no continente africano, marcado pela pobreza, pela fome e miséria, o Brasil ainda está em situação pior do que a maioria daqueles países.
O índice de Gini do Brasil em 2025 é de 0,52; enquanto dos EUA é de 0,41; da China 0,36; da Alemanha 0,32; da Argentina 0,41; da Finlândia 0,28; da Colômbia 0,55; da África do Sul 0,63; da Rússia 0,35 e de Angola 0,51. Resumindo, o Brasil em 2025 é o 9º país com maior concentração de renda no mundo e, em consequência como uma imensa desigualdade social e econômica do planeta.
Organismos internacionais utilizam para efeito comparativo o chamado PPP – paridade do poder de compra , em inglês “Purchasing Power Parity” e classifica o salário mínimo em PPP, como alto poder de compra acima de 1.500; médio poder de compra entre 1.000 e 1.500 e baixo poder de compra menos do que 1000. O poder de compra do salário mínimo considerando esta parida é de apenas 244, entre os dez piores do mundo, confirmando o quadro de pobreza, miséria, fome, exploração e manipulação que podemos observar em nosso cotidiano.
Voltando `a questão do salário mínimo, cabe também ressaltar que a Lei que instituiu o salário mínimo foi aprovada em 1936, mas só entrou em vigor em 1940, como já mencionado, valendo a partir de 1943, mas como não havia fiscalização, a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, tanto urbanos quanto rurais, não recebiam, como ainda hoje ocorre, sequer aquele salário mínimo, para garantir o mínimo de condições de vida e de dignidade humana.
Em tese todos os trabalhadores tanto urbanos quanto rurais deveriam ter garantido o pagamento do salário mínimo, tanto urbanos quanto rurais e todas as categoriais profissionais, mas isto praticamente nunca foi garantido. É o que acontece com a grande maioria dos trabalhadores informais, que não tem a garantia de aposentadoria, férias, décimo terceiro salário, enquanto os marajás da Republica e os donos do poder tem inúmeros “penduricalhos” chegando a representar mais de 15 polpudos salários por ano, além de três, quatro ou até cinco aposentadorias.
Todavia, tanto os trabalhadores rurais quanto urbanos, por exemplo, boa parte dos trabalhadores em construção civil e também os empregados/empregadas domésticas em sua grande maioria viviam praticamente na condições de trabalho escravo e semi escravo, razão ou motivo tanto para a perpetuação da pobreza e também para as grandes ondas de migração rural em destino ao meio urbano, surgindo o que hoje identificamos como periferias urbanas, onde vivem as grandes massas de excluídos, pobres, famintos e explorados e enganados da atualidade.
Por exemplo, quando foi instituído em 1940, até 1984, final do Governo Figueiredo, o salário mínimo no Brasil não era unificado nacionalmente; existiam 14 regiões com salário mínimo diferentes. A diferença entre o salário mínimo que vigorava nos Estados de SP e Rio de Janeiro e nas Capitais era muito maior do que a menor faixa que vigorava no Nordeste, exceto nas capitais.
Outro exemplo, o maior salário mínimo que vigorava nesses dois estados e nas capitais, em 1970, era de CR$ 187,20 cruzeiros (41 dólares da época) e no Nordeste onde vigorava o menor salário mínimo oficial era de apenas CR$124,80 cruzeiros (27,42 dólares da época, para um mês de trabalho), ou seja, além de um valor irrisório que não era suficiente para cobrir todas as despesas de uma família conforme mencionado na Decreto de sua criação, a diferença entre o Nordeste e as Capitais e Estados de São Paulo e Rio de Janeiro era de 33,4% em desfavor dos trabalhadores nordestinos.
Por decisão governamental, do mesmo governo Vargas, salário mínimo foi congelado por 8 anos, entre 1943 até 1951, imaginemos o impacto que essas duas decisões governamentais 14 níveis diferentes em valor para o salário mínimo, favorecendo os trabalhadores de algumas regiões e penalizando outros que viviam em outras regiões, principalmente as regiões Nordeste, Norte e Centro Oeste.
Recentemente, há poucas semanas, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, propôs congelar o salário mínimo por seis anos. A proposta, feita durante a Brazil Conference, suscitou forte reação. Fraga defende que a medida é necessária para conter gastos públicos e equilibrar a Previdência Social.
Quem sempre “quebrou” a previdência social e o equilíbrio fiscal no Brasil tem sido a corrupção, como a que acaba de ser “descoberta” surrupiando mais de RS$6,3 bilhões de reais, além dos subsídios a diversos setores econômicos, a sonegação consentida e os famosos “incentivos fiscais”. Mas a culpa sempre tem sido o salário mínimo tanto no setor empresarial quanto no setor público, jamais a má gestão e a corrupção endêmica que faz parte da administração pública no Brasil ao longo de décadas e séculos.
Durante diferentes períodos da história recente do Brasil, ao longo desses 85 anos que estamos considerando entre a instituição do salário mínimo em 1940 e este 1º de Maio de 2025, os índices anuais de inflação foram bem variados, e em alguns períodos, como entre 1980 e 1990, governos Figueiredo e Sarney, a chamada década perdida, a inflação acumulada passou de dois mil por cento e, como as correções/reajustes do salário mínimo eram feitas a cada ano ou em alguns momentos a cada seis meses, a deterioração do poder aquisitivo do salário mínimo era extremamente grave.
Durante alguns meses ou ano, este poder aquisitivo, que hoje e de apenas 21,7% do que era este poder aquisitivo em 1940, repito, em alguns meses não passava de 10% ou 15%, era insuficiente sequer para alimentar a família durante o mês.
Enquanto isso, o processo de acumulação de capital, propriedade, renda, riqueza e ostentação das classes dominantes aumentava e fortalecia o “nascente” capitalismo brasileiro e na área rural imperava o latifúndio e a violência contra os trabalhadores rurais, posseiros e os chamados “agregados”, a grande maioria, principalmente no Nordeste e partes de Minas Gerais, Rio de Janeiro descendentes de escravo (os afrodescendentes).
Por isso, na atualidade os trabalhadores urbanos e rurais, apesar de tantas Leis e até princípios constitucionais que os amparam tanto em termos de salário justo e condições de trabalho dignas, esta herança de exploração, escravidão e condições análogas à escravidão ainda persistem, direta ou indiretamente.
Mesmo com uma inflação relativamente baixa anualmente, é preciso saber que desde a instituição do Plano Real em 1º de Julho de 1994, a inflação acumulada desde então é superior a 600%, e isto pode ser verificado pela variação cambial.
Quanto foi instituído em 1994, um Real valia US$1,10 dólar e hoje são necessários RS$6,00 (seis reais) para um dólar; enquanto a inflação desde o Plano Real foi em torno de 600%, os reajustes do salário mínimo não chegou sequer a 300%,, isto demonstra que o poder aquisitivo do salário mínimo, enfim, o salário de mais de 70% dos trabalhadores brasileiros tanto do setor privado quanto do setor público, tanto na “ativa” quanto aposentados ou pensionistas continua perdendo poder aquisitivo e isto contribui para a perpetuação da pobreza, da fome, das injustiças e da exclusão socioeconômica e política dessas grandes massas e a perpetuação dos donos do poder e seus aliados.
Interessante, o povão, os meios de comunicação, os políticos, os marajás da República, os líderes religiosos e empresariais, enfim, todo mundo chia com o aumento do preços dos alimentos, mas não vejo ninguém protestar contra os juros bancários e principalmente os juros dos cartões de crédito, verdadeiro roubo, uma agiotassem que contribui para o super endividamento das famílias e pessoas.
Não vejo ninguém protestar contra os salários dos marajás da República, os privilégios dos donos do poder e seus aliados, não vejo ninguém protestar contra as regalias dos governantes, como parlamentares, governadores, ministros que acumulam três ou quatro aposentadorias ou que se aposentam após “trabalharem’ em seus gabinetes luxuosos por apenas 4 ou 8 anos
Da mesma forma, eu não vejo ninguém, nem mesmo os trabalhadores, pessoas e famílias protestarem contra a perda do poder aquisitivo do salário mínimo e dos salários em geral, que mesmo não havendo mais indexação, ainda é a referência para um monte de preços no Brasil.
Só para imaginarmos, quando foi criado o Salário mínimo no dia 1º de Maio de 1940, ou seja, há 85 anos, dava para sustentar uma família de 5 a 6 pessoas pessoas (este era o tamanho médio das famílias no Brasil naquela época) e cobrir as despesas de alimentação, moradia, saúde, lazer, educação, vestuário, transporte e aposentadoria.
De acordo com o Dieese, o salario mínimo de 2025, para garantir o poder de compra/poder aquisitivo que tinha em 1940 e “cobrir” as despesas de uma família, que hoje tem em média entre 3 a 4 pessoas, deveria ser de R$ 7 mil reais, garantindo assim, dignidade para a classe trabalhadora.
Isto significa que em 85 anos o Salário Mínimo no Brasil perdeu 78,3% de seu poder aquisitivo, poder de compra em relação ao que comprova em 1º de Maio de 1940, quando foi criado. Resumindo, o salário mínimo de 2025 representa apenas 21,7% do valor real, do poder de compra que tinha quando foi instituído em 1940.
A Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, tão decantada e simplesmente não cumprida no artigo que se refere ao Salário Mínimo, garante ou melhor assegura aos trabalhadores um salário mínimo (em minha opinião justo e digno) em valor a ser reajustado anualmente para recompor o poder de compra perdido pela inflação do ano anterior, suficiente para garantir que o trabalhador e sua família possam desfrutar de um padrão de vida digno.
Vejamos o que diz a nossa Constituição Federal, que neste artigo é simplesmente letra morta, como se diz “para inglês ver”:
Art. 7 São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:......
IV- salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
O não cumprimento ao longo de 85 anos dos preceitos legais e constitucionais que amparam o trabalhador e trabalhadora em nosso país é uma ou talvez a principal razão ou origem da pobreza vergonhosa que ainda existe no Brasil e também um mecanismo perverso de manipulação dos pobres, via assistencialismo e inclusive Políticas Públicas claramente assistencialistas como o programa Bolsa Família, os inúmeros “vales”, vale transporte, vale alimentação, vale gás, pé de meio, o VALE POLÍTICA CORRUPTA e todos os mecanismos de manipulação das massas, da opinião pública e dos eleitores que tão bem conhecemos e passivamente a sociedade brasileira aceita.
Eu costumo dizer, o problema não é que o café, o arroz, o feijão, o leite, enfim, os alimentos e os preços em geral “subiram ou continuam aumentando”, mas o problema é que os salários em geral, com exceção dos salários dos Marajás da República, enquistados nos três Poderes, pela ordem da locupletação: Judiciário, Legislativo e Executivo e nos três níveis de governo: União, Estados e Municípios e nas Estatais e o salário mínimo em particular, que é a base da remuneração de 70% dos trabalhadores brasileiros e dos aposentados e pensionistas do INSS, que estão sendo roubados pela corrupção que continua nas entranhas dos poderes públicos, como acabou de ser escancarada no INSS, empobrece as grandes massas no Brasil.
Esta é a origem da fome, da pobreza, da miséria, dos baixíssimos índices e padrões de vida dessas massas e objeto de exploração generalizada.
Se o salario mínimo tivesse sido corrigido pelos índices anuais de inflação ao longo desses 85 anos e hoje fosse de SETE MIL REAIS por mês, praticamente não haveria pobreza, fome, miséria e exploração e manipulação da população pobre.
Imaginemos, se em uma família o casal, marido e mulher ganhassem um salário mínimo de SETE MIL REAIS, não estariam mendigando essas migalhas que caem dos orçamentos públicos e nem da caridade alheia, como se diz.
Quando um Governo, independente de partido, reajusta o salário mínimo pela inflação do ano anterior não está fazendo nenhum favor, apenas está cumprindo a Constituição.
Da mesma forma, quando um Governo Federal reajusta o salário mínimo alguns pontos percentuais (1%, 2% ou 5%) acima da inflação, longe de estar “rompendo com os gastos públicos” e motivo para fúria do “DEUS MERCADO”, uma figura anônima que representa os interesses dos grandes grupos econômicos, principalmente as instituições financeiras que praticam livremente uma AGIOTAGEM INSTITUCIONAL, para aumentar descaradamente seus lucros e também dividendos aos seus acionistas e investidos (rentistas), a opinião pública e a mídia entra em “orgasmo’ nacional.
Resumindo, com esta defasagem no poder aquisitivo do salário mínimo se, todos os anos o reajuste do mesmo for de, digamos, 2% acima da inflação, teríamos que esperar pelo menos 36 anos, ou seja, só em 2061 o trabalhador brasileira receberia um salário mínimo com o mesmo poder de compra que tinha o mesmo salário em 1940.
Pergunto, o trabalhador brasileiro diante desta perda do poder aquisitivo do salário mínimo e dos salários em geral, diante da precarização das relações de trabalho, da urberização, diante do avenço tecnológico, da Inteligência artificial, da robotização, o que pode esperar?
Qual o futuro do trabalho, dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras diante deste cenário? E o combate `a pobreza, `a fome e a miséria vai continuar apenas com políticas assistencialistas e manipuladoras dos pobres e excluídos ou teremos condições de reformas profundas e estruturais dos e nos sistemas de produção e de relações de trabalho.
São esses os desafios que deveríamos estar discutindo e refletindo, não apenas neste 1º de Maio, mas diuturnamente.
Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052