OCIMAR CAMPOS E MARCELO SOARES

Precatórios: Solução ou armadilha fiscal? O que os empresários precisam saber

· 7 minutos de leitura
Precatórios: Solução ou armadilha fiscal? O que os empresários precisam saber

De acordo com o Balanço Geral da União publicado em abril de 2025 pelo Tesouro Nacional, o estoque de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) federais alcançou R$ 130,83 bilhões ao final de 2024, representando um aumento de 54,79% em relação ao ano anterior, que foi de R$ 84,52 bilhões. Além disso, conforme reportado pela Folha de S.Paulo, o governo federal terá que pagar aproximadamente R$ 100 bilhões em precatórios em 2025, incluindo um único título no valor de R$ 4,7 bilhões.

Diante desse cenário, cresce o número de empresas buscando alternativas legais para quitar seus tributos com a União, recorrendo ao uso de precatórios e créditos judiciais. Embora essa estratégia tenha amparo legal, ela exige cautela: a Receita Federal e a PGFN têm autuado contribuintes que utilizaram créditos com vícios ou falhas formais, gerando prejuízos financeiros e passivos fiscais inesperados.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE PRECATÓRIO E DIREITO CRDITÓRIO NA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA:

Precatório: é o título judicial expedido após uma decisão definitiva contra a Fazenda Pública, reconhecendo a obrigação de pagamento por parte do ente público (União, Estado ou Município). Para ser considerado precatório, o crédito deve ser líquido, certo, exigível e já inscrito na lista de pagamentos do orçamento público.

Direito creditório: por outro lado, é um crédito judicial transitado em julgado, com valor definido, mas que ainda não foi convertido em precatório. Apesar disso, pode ser utilizado para fins de transação tributária, desde que esteja consolidado e sem contestações judiciais pendentes.

Ambos podem ser utilizados na transação tributária com a União, conforme previsão da Emenda Constitucional nº 113/2021 e regulamentação da Lei nº 13.988/2020, que substituiu os antigos programas de parcelamento (como o REFIS). A legislação permite que contribuintes regularizem débitos com descontos e parcelamentos proporcionais à sua capacidade de pagamento, inclusive utilizando créditos judiciais próprios ou adquiridos de terceiros.

COMO EVITAR PREJUÍZOS NA AQUISIÇÃO DE PRECATÓRIOS: CUIDADOS ESSENCIAIS

Com a popularização da possibilidade de uso de precatórios para pagamento de tributos federais, surgiram também fraudes e operações irregulares no mercado de cessão de créditos judiciais. Diversos contribuintes têm relatado prejuízos significativos após adquirirem créditos que, posteriormente, foram bloqueados por decisões judiciais, vinculados a cedentes com pendências fiscais ou sem validade jurídica plena.

Em muitos desses casos, a transação foi rejeitada pelos órgãos fazendários, e o adquirente ficou sem conseguir utilizar o crédito — além de arcar com perdas financeiras consideráveis.

Para evitar situações como essas, é essencial que o contribuinte observe os seguintes cuidados:

1. Analise o processo judicial originário verifique se o crédito decorre de sentença transitada em julgado, é líquido, certo e está apto à cessão, sem contestações ou suspensões.]

2. Verifique a cadeia de cessões confirme a regularidade de todas as cessões anteriores e quem é o legítimo titular atual do crédito.

3. Solicite certidões do cedente Cheque se o cedente possui débitos fiscais, execuções ou processos que possam afetar o crédito ofertado.

4. Avalie a existência de reservas no processo

Verifique se há destaque de honorários advocatícios ou outras reservas que reduzam o valor disponível.

5. Formalize com cláusulas de salvaguarda

Inclua no contrato cláusulas que condicionem o pagamento ao deferimento formal da transação pela Receita Federal ou PGFN.

Essa verificação prévia — conhecida como due diligence jurídica — é fundamental para garantir que o crédito é legítimo, seguro e utilizável, evitando que o empresário invista em algo que possa ser posteriormente glosado ou anulado.

PASSO A PASSO PARA USAR PRECATÓRIOS DE FORMA SEGURA E LEGAL:

Após verificar que o crédito judicial é legítimo, o contribuinte deve seguir um roteiro jurídico preciso para que a transação com a União seja válida e efetiva. Veja abaixo os passos recomendados:

1.Faça a negociação da dívida com a Receita ou PGFN: Acesse os editais vigentes e verifique as condições de transação disponíveis para seu caso. Identifique se há possibilidade de parcelamento, descontos ou transação individual.

2. Formalize um contrato com cláusulas de segurança: Ao adquirir um crédito judicial de terceiros, firme contrato prevendo que o pagamento ao cedente será feito apenas após o deferimento da transação pelos órgãos públicos. Essa cláusula é essencial para evitar prejuízos.

3. Registre a cessão por escritura pública: A cessão do crédito deve ser formalizada por escritura pública, conforme exigido pela legislação federal, garantindo transparência e validade contra terceiros.

4. Comunique o juízo do processo e os órgãos fazendários: O juízo de origem do precatório deve ser informado sobre a cessão, assim como a Receita Federal ou a Procuradoria da Fazenda Nacional, para que reconheçam o novo titular do crédito.

5. Aguarde o deferimento e quite o débito com o DARF: Após aceitação da transação, a União emitirá o DARF correspondente à compensação ou quitação do débito tributário, encerrando o passivo do contribuinte.

EC 113/2021 x Portarias da União: uma divergência que compromete a efetividade do direito

A Emenda Constitucional nº 113/2021, ao incluir o §14 no art. 100 da Constituição Federal, estabeleceu que a cessão de créditos decorrentes de precatórios ou requisições de pequeno valor (RPVs) pode ser utilizada para compensação de débitos tributários perante a Fazenda Pública, inclusive no âmbito da transação tributária:

“§ 14. A cessão de créditos constantes de precatórios ou de requisições de pequeno valor será admitida, na forma da lei, inclusive para fins de compensação com débitos tributários ou de outra natureza perante a Fazenda Pública.”

A norma constitucional teve como objetivo conferir liquidez imediata ao crédito judicial, desde que este esteja consolidado, com trânsito em julgado e sem contestações pendentes. Na prática, isso permite que o contribuinte utilize precatórios próprios ou adquiridos de terceiros para quitar débitos fiscais — inclusive com os benefícios da Lei nº 13.988/2020, que institui a transação tributária com descontos e parcelamentos proporcionais à capacidade de pagamento.

Contudo, a PGFN (Portaria nº 10.826/2022) e a Receita Federal (IN RFB nº 2.047/2022) vêm adotando uma interpretação restritiva: condicionam a aceitação do crédito ao seu efetivo pagamento pelo ente público. Em outras palavras, exigem que o precatório já tenha sido quitado pela União para que seja considerado hábil à transação.

Essa exigência contraria o texto e a finalidade da EC 113/2021, esvaziando o instrumento jurídico criado para facilitar o uso de precatórios como moeda de regularização fiscal. Além disso, compromete a segurança jurídica e impõe ao contribuinte uma, condição não prevista em lei ou na Constituição, o que viola diretamente o princípio da legalidade tributária (CF, art. 150, I).

Como especialista na área, destacamos que tal interpretação:

·         Desincentiva o mercado legítimo de precatórios;

·         Gera insegurança para operações privadas válidas;

·         E impõe restrições não previstas pelo legislador constitucional.

Na prática, contribuintes que adquiriram créditos idôneos, com documentação regular, acabam tendo suas transações negadas, sofrendo prejuízos e, por vezes, autuações indevidas.

Por isso, em casos como esse, a atuação judicial pode ser necessária para garantir o direito à transação, com base na literalidade da Constituição. Em um cenário de alta litigiosidade e instabilidade normativa, a presença de assessoria jurídica especializada é essencial para proteger o contribuinte e dar efetividade ao seu crédito.

TRIBUTAÇÃO E VIABILIDADE DA OPERAÇÃO : O QUE O EMPRESÁRIO PRECISA CONSIDERAR

Embora o uso de precatórios ou créditos judiciais seja uma estratégia viável para regularização fiscal, ela pode gerar impactos tributários relevantes, especialmente para empresas optantes pelo Lucro Real e Lucro Presumido.

Segundo interpretação da Receita Federal, caso o crédito seja adquirido com deságio (desconto) — o que é comum nesse mercado — a diferença entre o valor nominal do crédito utilizado na quitação e o valor efetivamente pago pelo contribuinte pode ser considerada uma receita tributável. Essa receita, conforme o regime tributário da empresa, pode ser sujeita à incidência de:

·         IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica)

·         CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)

·         PIS e COFINS (caso o crédito seja considerado receita operacional)

Essa interpretação está presente na Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, que trata das regras de apuração do IRPJ e CSLL. A Receita entende que, se a empresa adquire o crédito por R$ 500 mil e o utiliza para quitar R$ 1 milhão em tributos, a diferença de R$ 500 mil configura ganho, devendo ser oferecida à tributação como “receita financeira”.

No Lucro Presumido, esse ganho será tributado conforme o percentual aplicado à receita bruta; no Lucro Real, ele será apurado contabilmente como receita e comporá a base do lucro tributável, salvo previsão específica de isenção ou exclusão.

VALE A PENA UTILIZAR PRECATÓRIOS PARA QUITAR DÍVIDAS TRIBUTARIAS?

Sim, desde que a operação seja feita com responsabilidade, critérios técnicos e orientação especializada. A utilização de precatórios ou créditos judiciais em transações tributárias pode proporcionar economia real, redução do passivo fiscal, ganho de liquidez, além de encerrar discussões fiscais com segurança jurídica, nos moldes da Lei nº 13.988/2020 e da EC 113/2021.

Contudo, para que essa vantagem se concretize, é essencial que o contribuinte avalie:

·         A origem e a legitimidade do crédito: deve estar amparado por sentença judicial transitada em julgado e com valor certo e líquido;

·         A estrutura jurídica da cessão e da transação: contratos mal redigidos, sem cláusulas de garantia ou com vícios de forma, podem resultar em nulidade ou glosa futura pela Receita;

·         O regime tributário da empresa e o impacto fiscal da operação: empresas no lucro real ou presumido devem apurar eventuais reflexos no IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, especialmente em operações com deságio;

·         A conduta dos órgãos fazendários: a PGFN e a Receita Federal têm, por vezes, interpretado a legislação de forma restritiva, o que pode exigir atuação judicial corretiva, caso o crédito seja desconsiderado indevidamente.

A Emenda Constitucional nº 113/2021 não condiciona a validade da transação ao pagamento do precatório, bastando a cessão válida e sua comunicação formal à Fazenda. Por isso, toda negativa com base em exigência não prevista expressamente na Constituição pode ser questionada judicialmente, com base nos princípios da legalidade (CF, art. 150, I) e da segurança jurídica.

Portanto, o uso de precatórios não é uma solução genérica, mas uma ferramenta estratégica que exige análise de viabilidade caso a caso. Quando bem estruturada, pode representar um excelente mecanismo de regularização fiscal com redução de carga tributária e segurança jurídica. Sem planejamento, no entanto, pode transformar-se em passivo fiscal e financeiro.

Recomendação profissional:

Em um cenário de normas tributárias cada vez mais dinâmicas, decisões administrativas instáveis e crescente rigor fiscal, a assessoria jurídica especializada em créditos públicos e transações tributárias deixou de ser uma escolha opcional — tornou-se uma ferramenta essencial de proteção patrimonial e de gestão estratégica.

Operações com precatórios, quando conduzidas com análise técnica, planejamento fiscal e documentação adequada, geram economia legítima, reduzem riscos de autuação e reforçam a segurança jurídica da empresa, tanto no curto quanto no longo prazo.

Mais do que evitar prejuízos, o acompanhamento jurídico adequado assegura o uso eficiente dos mecanismos legais disponíveis, conforme os princípios da legalidade, eficiência e boa-fé objetiva na relação entre contribuinte e Fisco.

Dr. Marcelo Soares Fedrizzi                               Dr. Ocimar Campos
Advogado – OAB/MT 34.994/O                        Pós-graduando Precatório

 Dr. Ocimar Carneiro de Campos
Advogado – OAB/TO 3.954