JOÃO BATISTA PEREIRA

Os mercadinhos nos presídios e o poder das facções

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Os mercadinhos nos presídios e o poder das facções

Nos últimos meses, um dos assuntos mais comentados em Mato Grosso tem sido os mercadinhos dentro dos presídios. De um lado, o governo quer fechá-los. Do outro, o Judiciário defende que os presos têm direito a consumir produtos básicos e que esses estabelecimentos seriam o meio viável para garantir esse acesso. No meio dessa disputa, a pergunta que ninguém responde é: quem mais está lucrando com isso? Porque uma coisa é certa: o crime organizado não perde uma oportunidade de faturar, mesmo atrás das grades.

A verdade é que as cantinas oficiais foram criadas para resolver problemas práticos dentro do sistema penitenciário. Quem trabalha no setor sabe que o Estado nunca garantiu o mínimo necessário para manter as unidades funcionando. Sempre faltou de tudo: desde copos descartáveis até materiais para a manutenção das viaturas. A solução encontrada foi usar o lucro dessas vendas para cobrir essas lacunas, ao mesmo tempo, em que se reduzia a entrada descontrolada de sacolas nas visitas, dificultando o tráfico de drogas e celulares.

Durante muito tempo, isso funcionou. Mas, como em qualquer sistema onde há transações e necessidades, o crime encontrou um jeito de se beneficiar. Foi assim que surgiram as cantinas paralelas. As facções passaram a comprar produtos na cantina oficial, utilizando familiares de outros presos para driblar o limite de compra por detento, e revendê-los dentro das celas a preços abusivos. Os demais presos eram forçados a comprar desses intermediários sob a justificativa de que o lucro seria destinado à “causa”. Ou seja, o que começou como uma solução para melhorar a segurança e a estrutura dos presídios se transformou em mais uma fonte de renda para as organizações criminosas.

Agora, com base em informações obtidas em diversas operações e investigações conduzidas pelo GCCO e pelo GAECO, o governo decidiu fechar de vez esses estabelecimentos. Enquanto isso, o Judiciário insiste na manutenção das cantinas, argumentando que, sem esse comércio, os presos passam fome no sistema penitenciário.

Enquanto as autoridades discutem o fechamento das cantinas, a violência atinge níveis alarmantes. Os mesmos presos que exigem o direito de consumir bolacha recheada são aqueles que ordenam e assistem a execuções, esquartejamentos e ataques contra policiais e cidadãos inocentes. Foi assim com as jovens Rayane e Ratielly, brutalmente assassinadas ao saírem de uma festa em Porto Esperidião, apenas por fazerem um gesto considerado de uma facção rival. Foi assim com as dezenas de vítimas encontradas em cemitérios clandestinos espalhados pelo estado.

Recentemente, o presidente do STF, ministro Luiz Roberto Barroso, ao lançar o Programa Pena Justa, apelou para que não tratemos os presos com ódio. Mas, para quem foi vítima dessas atrocidades, como separar razão e emoção? O ministro, no entanto, não fez o mesmo apelo aos criminosos, para que também deixem de tratar suas vítimas com esse mesmo ódio.

A Teoria Econômica do Crime, de Gary Becker, explica que criminosos de caráter financeiro — como a maioria dos que estão no sistema prisional — não agem por impulso, mas por cálculo. Eles pesam riscos e benefícios antes de cometer um crime. Se percebem que, mesmo presos, continuam tendo regalias e formas de lucrar, a mensagem é clara: o crime compensa.

Se realmente queremos reduzir a criminalidade e conter o avanço das facções criminosas, precisamos ir além dessa discussão sobre manter ou não mercadinhos nos presídios. A obrigação de fornecer alimentação e produtos de higiene aos presos é do Estado, cabendo ao Judiciário fiscalizar e cobrar o cumprimento regular dessa obrigação — e não insistir na manutenção de um comércio que facilita a entrada de toneladas de produtos, muitos deles considerados de luxo, que as facções usam tanto para revender internamente quanto para cooptar novos integrantes.

João Batista Pereira de Souza é Presidente da Associação dos Policiais Penais (Aspen) e ex-deputado estadual de Mato Grosso