GONÇALO ANTUNES DE BARROS

Entre a barbárie e a ética

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Entre a barbárie e a ética

A história registra que o ser humano tem buscado compreender o que o move em sua essência, do homem em construção. Em diferentes culturas, religiões, escolas filosóficas e correntes científicas, uma pergunta insiste em atravessar os séculos: existe uma natureza humana? E, se sim, quais são suas leis fundamentais?

Aqui não se analisará a diferença, apesar de substancial, entre a natureza humana e a condição humana. Somente considerará o elemento primário, apesar de Hannah Arendt.

A tentativa de responder a essas questões coloca o pensador diante de grandes dilemas: o homem é naturalmente bom ou mau? A violência é um acidente da civilização ou um traço constitutivo da espécie? O impulso à cooperação é inato ou construído culturalmente?

Desde a Antiguidade, pensadores refletiram sobre princípios que transcendem as leis positivas criadas pelos homens. Em Antígona, de Sófocles, a personagem principal desafia a ordem do rei Creonte ao enterrar seu irmão, afirmando que “há leis que não foram escritas por nenhum homem e que vivem eternamente”. Essa ideia de um direito natural, superior ao direito positivo, permeia a filosofia grega e a tradição romana.

Os estóicos, especialmente Sêneca e Epicteto, acreditavam em uma razão universal, presente em todos os seres humanos, que os conectaria à ordem do cosmos. Essa razão seria a base da moralidade e da justiça, expressa por meio da virtude e da temperança. Cícero, grande orador romano, escreveu: "A verdadeira lei é a reta razão, conforme a natureza, universal, imutável e eterna."

Essa concepção atravessou o pensamento cristão medieval, retomada por Tomás de Aquino, que conciliou o direito natural com a teologia cristã. Para ele, as leis naturais derivam da razão divina e orientam o ser humano à prática do bem e à fuga do mal.

A modernidade, marcada pelo fim da Idade Média e pelo surgimento do Estado soberano, trouxe uma nova abordagem ao conceito de natureza humana. Thomas Hobbes, diferentemente de Rousseau, em Leviatã (1651), via o estado natural do homem como uma condição de medo constante, onde a vida era "solitária, pobre, sórdida, brutal e curta". Para ele, a lei da natureza era a autopreservação, e o único caminho para a paz seria entregar parte da liberdade ao soberano.

John Locke, por outro lado, apresentava uma visão mais otimista. Em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil (1690), defendia que o homem em estado natural era livre, igual e racional. A sociedade civil surgiria não para conter a barbárie, mas para garantir propriedade, segurança e justiça.

Esses pensadores ilustram bem as tensões entre liberdade, instinto, cultura e poder: aspectos centrais das possíveis “leis” que regem o comportamento humano.

No século XX, Sigmund Freud acrescentou uma camada mais profunda à discussão. Em O mal-estar na civilização (1930), propôs que a civilização é construída a partir da repressão dos impulsos mais primitivos do ser humano — entre eles, o desejo de matar e dominar. A cultura, nesse sentido, seria um freio necessário, mas também fonte de culpa e angústia. Para ele, duas forças estão em constante tensão: Eros, o instinto de vida, amor e construção; e Thanatos, o instinto de morte, autodestruição e retorno ao inorgânico.

Contudo, Émile Durkheim, diferentemente de Freud que enxergava tensão entre pulsões, via a sociedade como produtora de regras e obrigações morais. A moral, para ele, não nasce do indivíduo, mas da coletividade. A natureza humana, nesse ponto de vista, é moldável pela cultura.

Isso tudo não elimina a violência da equação, mas revela que a natureza humana não é exclusivamente predatória. Como escreve Yuval Noah Harari, “o segredo do sucesso humano foi nossa capacidade de cooperar em larga escala”.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto, Saíto, tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito. (podbedelhar@gmail.com)