O empréstimo consignado foi concebido como uma solução emergencial para servidores públicos, mas sua aparente facilidade esconde riscos que precisam ser compreendidos. Em Mato Grosso, onde muitos colegas enfrentam dificuldades financeiras devido a salários defasados e ao alto custo de vida, essa modalidade tem sido usada não como exceção, mas quase como regra – e é aí que mora o perigo.
Os números revelam uma dimensão preocupante: dos 35,7 mil servidores aposentados e pensionistas no estado, 26,8 mil (75%) possuem algum desconto consignado em seus vencimentos. Essa estatística não reflete apenas a popularidade do benefício, mas mostra como ele se tornou parte estrutural da vida financeira da maioria.
A grande questão é que o mesmo mecanismo criado para aliviar situações difíceis pode se transformar em fonte de angústia quando usado sem planejamento. A facilidade de aprovação cria uma falsa sensação de segurança, e muitos só percebem o comprometimento do futuro financeiro quando as parcelas deixam o salário insuficiente até para despesas básicas.
Em 2021, quando foi publicado o último balanço da Seplag, os servidores de Mato Grosso contraíram R$ 73 milhões em empréstimos consignados, um aumento significativo em relação aos R$ 63 milhões de 2020. Por trás desses valores, há histórias de famílias que perderam o controle porque não entenderam que o limite individual de 35% não impede descontos totais de até 70% com múltiplos empréstimos e outros produtos financeiros.
Para os servidores da segurança pública, já submetidos a uma das profissões mais estressantes, o endividamento excessivo tem sido um fardo adicional. O estresse financeiro se soma ao desgaste profissional, afetando não só o servidor, mas toda sua família. Muitas vezes, essa espiral começa com pequenos empréstimos que parecem inofensivos, mas se acumulam até ficarem incontroláveis. O impacto na qualidade de vida é profundo e pouco discutido pelo estado.
O superendividamento pode causar diversos problemas de saúde, como estresse, ansiedade, conflitos e outros distúrbios. Quando o orçamento não cobre as necessidades essenciais, o servidor vive em tensão constante, o que prejudica seu desempenho profissional, coloca a própria vida em risco, afeta seus relacionamentos e compromete seu bem-estar.
O SINDSPPEN-MT está preocupado com essa situação e oferece orientação jurídica para auxiliar os filiados a reorganizarem suas finanças. Além disso, está estudando a possibilidade de disponibilizar uma banca de advogados especializados no assunto, dedicada exclusivamente a essa pauta, ampliando assim os serviços oferecidos aos filiados.
Nosso papel é alertar sobre os riscos do crédito consignado, mostrando que o benefício que resolve um problema imediato pode virar fonte de dificuldades futuras.
O empréstimo consignado pode ser útil, mas exige cautela lembrando que o salário chegará comprometido. Equilibrar esse direito com a saúde financeira requer consciência. O consignado existe para servir ao servidor, não o contrário. E é nosso dever garantir que continue cumprindo esse papel.
Lucivaldo Vieira de Sousa, secretário geral e diretor jurídico do Sindicato dos Policiais Penais do Estado de Mato Grosso (SINDSPPEN-MT)