“A terra, nossa Casa Comum, parece transformar-se cada vez mais em um imenso depósito de lixo” Papa Francisco, Encíclica Laudato Si, 21 (24 de Maio de 2015).
“O planeta é uma vítima da moda. A cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de roupas (novas ou usadas) é incinerado ou enviado para aterros sanitários no mundo” ( cada caminhão tem capacidade para mais 10 toneladas) Antônio Gutérres, Secretário Geral da ONU, em pronunciamento pelo Dia Internacional do Lixo Zero, 30/03/2025.
A Assembleia Geral da ONU, em 14 de Dezembro de 2022 aprovou uma resolução proclamando o dia 30 de Março de cada ano, a partir de 2023, como sendo o Dia Internacional do Lixo Zero.
O Tema do Dia Internacional do Lixo Zero em 2025 é o seguinte “Resíduos da moda e dos têxteis”. Este tema visa alertar para a quantidade de resíduos/lixo gerados pela indústria textil mundial e a urgente necessidade de reduzir o consumo de água, de energia, para a necessidade de reduzir, reutilizar e reciclar todos os materiais utilizados neste setor industrial e também a necessidade de práticas que representem produção e consumo sustentáveis, em toda a cadeia de produção, da matéria prima até o final da cadeia de produção.
Dentre os objetivos desta proclamação e deste dia, podemos mencionar: 1) estimular padrões de consumo e de produção sustentáveis e responsáveis, que respeitem o planeta, a biodiversidade, as pessoas, os consumidores, enfim, a natureza e as sociedades; 2) Combater hábitos e o marketing empresarial que estimulam o consumismo e o desperdício, que são os motores da geração de resíduos sólidos, principalmente nos países ricos e desenvolvidos e no meio urbano; 3) Apoiar e estimular a economia circular e a reciclagem, reduzindo o consumo e aumentando a vida útil dos produtos e reduzindo o impacto da produção sobre a natureza e reduzindo a poluição (solo, água, matéria prima, ar), 4) Estimular novos padrões de consumo reduzindo o consumo perdulário e, assim, reduzindo o volume de resíduos sólidos/lixo gerados pelas famílias, pelas empresas e pelas instituições; 5) estimular uma maior racionalidade nos padrões de produção, aumentando a produtividade dos diversos setores econômicos e do trabalho; 6) estimular uma gestão mais eficiente, mais eficaz e mais efetiva dos resíduos globalmente (mundialmente ) e também em níveis nacionais, regionais, estaduais e municipais(locais); 7) Investir em educação ambiental/ecológica, atingindo todos os setores e faixas etárias, para despertar a consciência das pessoas, dos empresários , dos governantes e de todos os setores das sociedades para a importância de um cuidado especial em relação aos resíduos sólidos/lixo e suas consequências para o meio ambiente, para a emissão de gases de efeito estufa, para o aquecimento global, para a saúde humana e para a crise climática.
A produção mundial de lixo em 1990 incluindo resíduos sólidos urbanos, industriais e outros, foi de aproximadamente 1,6 bilhão de toneladas, passando em 2023 para, entre, 2,1 bilhões e 2,3 bilhões de toneladas de resíduos sólidos/lixo urbanos e talvez mais um bilhão nas áreas rurais. Ao longo das últimas três décadas o volume de lixo no mundo tem crescido mais do que o aumento populacional e do que os índices de urbanização. Sem uma ação urgente, a geração anual de resíduos/lixo urbano poderá atingirá 3,8 bilhões de toneladas e o lixo rural poderá atingir próximo de 2 bilhões de toneladas até 2050. O aumento só da produção de lixo urbano entre 1990 e 2023 foi de 37,5%.
Falando aos participantes da COP 16 na Colômbia, entre 21 de Outubro e 02 de Novembro de 2024, o Secretário Geral da ONU, alertou sobre a poluição pelo lixo plástico dizendo “A poluição plástica está em todo o lado, à nossa volta e até dentro de nós, desde os nossos mares ao nosso sangue e até ao nosso cérebro — disse Guterres em entrevista coletiva nesta quarta-feira, enfatizando a necessidade de uma solução multilateral para limitar a produção de plástico descartável e preservar o ambiente. — Todos os anos, a humanidade produz mais de 460 milhões de toneladas métricas de plástico. Metade é de uso único: usa uma vez e jogue fora. Em 2050, poderá haver mais plástico no oceano do que peixes”
A voracidade do consumo, do consumismo e do desperdício , principalmente nos países ricos e de renda média (onde o Brasil está incluído), tem aumentado a geração per capita ano de lixo de uma maneira muito rápida, razão pela qual alguns países ricos costumam “exportar” seu lixo para paises pobres da África, Ásia e América Latina, contribuindo para o aumento da poluição e degradação ambiental nesses países.
Outro aspecto relacionado ao lixo/resíduos sólidos é sua relação com o processo de urbanização caótica, sem planejamento e sem infraestrutura, contribuindo para uma má gestão dos resíduos sólidos, o que não deixa de ser uma vergonha, pois afeta frontalmente a dignidade humana, principalmente da população pobre, excluída, marginalizada e oprimida.
No caso do Brasil observa-se, constata-se a presença de lixo nas ruas, em terrenos desocupados, em córregos, lagoas, rios e no oceano Atlântico, onde a quase totalidade das baias estão contaminadas pela presença de todos os tipos de lixo, o que contribui para a degradação das águas, dos solos e do ar.
Por exemplo, em Cuiabá e Várzea Grande, que em conjunto representam o maior aglomerado urbano do Estado, com aproximadamente um milhão de habitantes, todos os córregos, mais de 40 em ambos os municípios, já de há muito, vários foram aterrados e outros se transformaram em verdadeiros esgotos a céu aberto, contaminando tanto o Rio Cuiabá e afetando diretamente o Pantanal, ameaçado de morte pelo lixo e outros agentes poluentes.
Existem alguns caminhos a seguir para reverter este quadro tenebroso e vergonhoso em relação ao volume e impactos que os resíduos sólidos/lixo tem para o planeta e para todos os países e localidades.
São caminhos e, ao mesmo tempo desafios, a serem enfrentados e superados. O primeiro é combater diuturnamente o consumismo e o desperdício e, principalmente o uso de plásticos; o segundo é implementar a economia circular e a reciclagem e o terceiro é através da educação ambiental/ecológica,
Vejamos alguns dados relativos `a reciclagem, por exemplo. de acordo com diversos relatórios de organismos nacionais e internacionais, a reciclagem global de lixo é ainda muito baixa, em torno de 19% no mundo, sendo que apenas cerca de 9% dos plásticos são reciclados; sendo que na América Latina este percentual global é de apenas 6%, sendo que em alguns países a reciclagem global é de pouco mais de 1%.
No Brasil, a reciclagem global é de apenas 3% a 4% dos resíduos sólidos urbanos sendo que os plásticos apenas em torno de 1,3% são reciclados em nosso país, mais uma razão para combater sua produção e uso.
O Brasil, apesar de ser o 6º país mais populoso do mundo, ocupa o 4º lugar entre os países que mais produzem lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%, com tendência de se tornar o terceiro maior produtor e usuário de plásticos, a continuar a atual situação e tendência verificada nas últimas duas décadas.
Com frequência assistimos debates , reportagens e relatórios demonstrando a irracionalidade dos sistemas econômicos, cabendo destaque para alguns pronunciamentos do Papa Francisco ao condenar os atuais sistemas como estando ancorados no paradigma que ele denomina de “Economia da Morte” e para substituir esses modelos ele propõe outro, denominado de Economia de Francisco e Clara, que seria embasado no paradigma da “Economia da vida”, baseado na agroecologia, na economia solidária, na economia circular, na reciclagem e na frugalidade, que é o oposto ao consumismo e ao desperdídio.
Relatório recente de uma organização internacional de consultoria sobre questões de resíduos sólidos - lixo, sediada em Boston (EUA), indica que Mundo desperdiça € 200 bilhões de euros por ano ou 12,6 trilhões de reais em materiais recicláveis
O mesmo estudo mostra que oportunidades econômicas, sociais e ambientais desperdiçadas por não ser adotada a economia circular e a reciclagem, representam um prejuízo global para a econômica mundial de mais de várias vezes o que se perde com a falta de reciclagem.
Além disso, esta nova pesquisa reforça que a economia circular continua sendo uma oportunidade econômica importante, reduzindo, inclusive os impactos dos sistemas produtivos sobre a natureza: solo, água, matérias primas, reduzindo, também, a poluição e a degradação dos biomas e ecossistemas.
Sem mudanças nos padrões de produção, consumo e descarte de materiais, a geração de resíduos sólidos domiciliar no mundo deve crescer 80% entre 2020 e 2025, chegando de 3,8 bilhões de toneladas ao ano, segundo relatório Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO 2024).
Ou seja, como enfatiza o Papa Francisco na Ecíclica Laudato Si, “Tudo está interligado, nesta Comum” e que, considerando que “na origem da degradação e destruição do planeta estão as ações irracionais e a ganância humana”, precisamos considerar nesta jornada mundial e em cada localidade em defesa da ecologia integral, a questão do lixo, principalmente dos plásticos e micro-plasticos.
Essas questões não podem estar ausente de nossas análises da conjuntura e das ações sociotransformadoras e muito menos de nossas mobilizações proféticas em defesa de um mundo sustentável, com justiça socioambiental e justiça intergeracional.
Precisamos colocar na agenda dos debates públicos, em todas as esferas a questão do lixo/resíduos sólidos, não apenas no DIA INTERNACIONAL DO LIXO ZERO, mas ao longo dos dias e anos, viver em meio a uma montanhas de lixo, ou lado de córregos e rios degradados pelo lixo e pelos esgotos, afeta frontalmente não apenas a saúde pública e os níveis de vida da população, mas fundamentalmente a DIGNIDADE HUMANA.
Cuidar corretamente do lixo é responsabilidade tanto das pessoas, das famílias, quanto do setor empresarial, das diversas instituições, inclusive religiosas e também, é claro, dos poderes públicos, principalmente das prefeituras. Esta é uma questão política, social (saúde pública), dignidade humana, econômica, cultural e de cidadania e isto tudo está inserido no que chamamos de ECOLOGIA INTEGRAL LIBERTADORA e faz parte do “bem viver’ dos povos!.
Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral Região Centro oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052