Conhecereis a verdade e Ela (a verdade) vos libertará” (Evangelho São João, 8:32). Esta citação do Evangelho refere-se a Cristo, quando ele mesmo também disse “Eu sou o caminho, a VERDADE e a vida” Evangelho de São João 14:6.
Todavia, em todas as dimensões da vida é fundamental buscar sempre a verdade. Sabemos como a mentira, as famosas “fake news”, confundem as pessoas e denigrem a imagem alheia e prejudicam amplamente a sociedade, em todos os aspectos, inclusive nas dimensões políticas, religiosas, econômicas e sociais.
O antídoto ou seja, só existe uma “vacina’ contra a ignorância, a mentira e a distorção da realidade, e este antídoto se chama CONHECIMENTO, que deve sempre estar na base dessa busca pela verdade.
Por isso o destaque e a ênfase que as sociedades devotam `a educação, não uma educação que reproduza apenas o conhecimento existente e as vezes contendo uma boa dose de “fake news” e assim contribui para o desvirtuamento e jamais contribui para o avanço do conhecimento, que só é possibilitado quando a educação é vista como “a prática da liberdade”, como tanto enfatizava o saudoso Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros de todos os tempos.
A liberdade é fundamental para que a educação seja criativa, inovadora, transformadora, revolucionária e um instrumento para romper com o conhecimento existente, o chamado “Status quo” e possibilite novos experimentos , novas descobertas , enfim, promova o avanço da ciência e da tecnologia.
Todos os países, principalmente os países asiáticos e alguns europeus e também ocidentais como os EUA, Canadá e outros mais, que hoje lideram o mundo tecnológico só conseguiram este salto qualitativo com os novos conhecimentos, através de muito investimento em educação, que durante décadas era a prioridade de fato, e não de discurso, nesses países.
Sem liberdade de apendizado, sem liberdade de pesquisa e sem uma educação crítica e criadora , não existe transformação científica e tecnológica e, “pari passu”, não existe desenvolvimento integral e integrado. Só assim os países não perdem “o bonde da história”, como tem acontecido com o Brasil há muitas décadas.
Um exemplo deste processo é a produção agrícola e pecuária, cujo ponto de “inflexão’ podemos encontrar na chamada “revolução verde”, ocorrida ao longo das décadas de 1950, 1960 e principalmente de 1970, cujas descobertas propiciaram um aumento considerável de produtividade por área ocupada ou processo reprodutivo, no caso dos animais.
Foi nesta época que surgiu no Brasil a Embrapa, cuja contribuição para o desenvolvimento d agropecuária brasileira, inclusive da agroecologia foi marcante.
Este foi um processo que foi sendo atingido por etapas, mas sempre buscando novas descobertas, transformações e inovações no processo produtivo, para garantir tanto a segurança alimentar quanto a saúde da população, dos consumidores, reduzindo o consumo de agrotóxicos e de antibióticos, que, ao lado de combater pragas e doenças que atingem a agricultura e a pecuária acabam afetando negativamente os solos, as águas e os próprios alimentos produzidos.
Esta é uma área importante para a defesa sanitária animal e vegetal. Afinal, não é racional que para combater pragas e doenças o sistema produtivo também acabe afetando a saúde humana, inclusive via produção contaminada, como atualmente está acontecendo.
Assim, surge o espaço para a produção orgânica, a chamada agricultura natural, sustentável que respeita tanto a natureza, quanto a saúde dos trabalhadores e moradores nas proximidades das áreas ocupadas com agricultura e pecuária e também a saúde e os direitos dos consumidores e das próximas gerações.
É neste contexto que surgem as conquistas e avanços dos espaços com produção orgânica, livres de agrotóxicos e outros fertilizantes químicos e também da agroecologia, que não são sinônimos, mas campos do conhecimento que se interpenetram.
É importante também, situarmos a produção orgânica no contexto da agroecologia e a importância desta tanto na produção de alimentos saudáveis quanto na segurança alimentar e na saúde humana.
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, por exemplo, já se pronunciou várias vezes sobre a agroecologia, enfatizando sua importância para a transformação dos sistemas alimentares e a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em suas mensagens, ele tem destacado que a agroecologia e produção orgânica são fundamentais para reduzir a pobreza e a fome, capacitar agricultores e comunidades locais, e minimizar o impacto ambiental dos sistemas alimentares.
Creio que seja importante esclarecermos alguns conceitos nesta área, para facilitar as ações sociotransformadoras na produção agro pecuária e percebermos que existe um vasto campo, tanto em termos de pesquisa quanto de sistemas produtivos em que tanto a produção orgânica quanto a agroecologia podem oferecer oportunidades competitivas com o sistema capitalista rural comumente identificado como “o Agro”.
“A agroecologia e produção orgânica não são sinónimos. A agroecologia é uma ciência que estuda a interação entre os seres vivos e o ambiente em sistemas agrícolas, enquanto a produção orgânica é um sistema de produção que se concentra na não utilização de produtos químicos sintéticos. A agroecologia pode servir de base para a produção orgânica, mas também inclui princípios mais amplos como a diversidade e a sustentabilidade do sistema alimentar como um todo”.
Mesmo sendo diferentes campos de saberes, as mesmas, na prática estão interpenetradas, pois, agroecologia pode servir como base para a produção orgânica, porém, não se pode cometer o equívoco de confundir ambas, pois o conceito de agroecologia a considera como ciência, que surge a partir da procura por bases teóricas e novos experimentos, enquanto a produção orgânica é considerada um sistema de produção, que utiliza o conhecimento produzido pela agroecologia.
Considerando que a grande maioria das cidades brasileiras, inclusive as grandes metrópoles sempre possuem espaços , solo urbano e periurbano (área de expansão urbana, geralmente áreas periféricas) utilizados, principalmente para especulação imobiliário ou para a acumulação de capital e lucro, via valorização dessas áreas pelas obras públicas e privadas, muitas das quais alimentam os elevados índices de inadimplência e sonegação do IPTU (imposto predial e territorial urbano) ou do próprio ITR (imposto territorial urbano) poderiam e podem ser plenamente utilizadas para a produção de alimentos, através da chamada agricultura urbana e periurbana.
Enquanto o Agro ocupa grandes extensões territoriais, utilizando tecnologias modernas e extremamente caras, aproveitando incentivos fiscais, creditícios e outros mais, ganhando com a escala de produção, seus interesses estão voltados muito mais para as exportações de “commodities”, que também recebem inúmeros incentivos governamentais. É comum Presidentes da Repúblicas, Ministros, Parlamentares, Governadores se transformarem em “caixeiros viajantes” a serviço do Agro e de outros setores econômicos, mas quase nunca isto acontece como forma de apoio `a agricultura familiar, `a produção orgânica e `a agroecologia.
No que concerne `a produção de hortifrutigranjeitos, voltados, basicamente, para o mercado consumidor interno, quem ocupa este “nicho” de mercado tem sido a agricultura familiar, onde, a produção de orgânicos e a agroecologia consegue produzir alimentos de qualidade livres de agrotóxicos, outros fertilizantes e produtos químicos, o que popularmente é denominado de “veneno”.
Dois aspectos muito importantes estão presentes na produção orgânica e na agroecologia, o primeiro é a questão socioambiental, enquanto o “agro” utiliza insumos químicos, uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes, que são prejudiciais tanto `a natureza (afetam negativamente e poluem os solos, as águas e o ar), utilizam o solo de forma intensiva, desmatando, queimando, tudo isso com sérios reflexos ambientais; a produção orgânica e a agroecologia primam por processos naturais que contribuem para o uso correto dos elementos da natureza, mantendo a fertilidade do solo e não poluindo.
O segundo aspecto é a questão da saúde, enquanto o “agro” utiliza excesso de agrotóxicos que afetam a saúde dos consumidores, dos trabalhadores e dos moradores de suas imediações, deixando um passivo ambiental degradado para as futuras gerações; a produção orgânica e a agroecologia evita esses fatores negativos.
Tendo em vista a existência de grandes bolsões de áreas não utilizadas tanto dentro dos perímetros urbanos e também nas áreas periurbanas, verdadeiros latifúndios, que servem apenas para a especulação e a acumulação de capital, como já mencionado, via valorização dos imóveis, as Prefeituras tem um grande instrumento para coibir essas práticas especulativa que é o Estatuto das Cidades.
A Lei 10257, de 10 de Julho de 2001, denominada de Estatuto das Cidades, em seu artigo 1º estabelece as Diretrizes do Planejamento Urbano quando diz “Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os artigos 182 e 183, da Constituição Federal será aplicado o previsto nesta Lei. Já o Artigo 2º desta mesma Lei deixa clara não apenas a intenção dos Legisladores, como tornam obrigatórios tais instrumentos legais. “Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais”
Entre essas diretrizes podemos mencionar: IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos, entre outros aspectos.
As prefeituras têm `a sua disposição diversos instrumentos jurídicos, inclusive o planejamento urbano, onde o destaque cabe ao Plano Diretor com diversos aspectos que demandam ações da municipalidade, como, por exemplo, o IPTU progressivo, e outros mais que, inclusive oferecem suporte para o desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana, a produção orgânica e a agroecologia.
O Governo Federal tem diversos programas relacionados com a produção orgânica, a agroecologia e a economia solidária, para alavancar este setor tão importante para os municípios.
Os municípios de Cuiabá e de Várzea Grande, que, em conjunto, representam o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, com população estimada em pouco mais de um milhão de habitantes, tem uma enorme dependência de outras regiões e de até outros estados no que concerne ao abastecimento, principalmente de produtos hortifrutigranjeiros.
Tendo em vista a influência que este aglomerado urbano exerce sobre todo o Estado, principalmente a região da Baixada Cuiabana e tendo em vista também a existência de grandes “bolsões’ de áreas desocupadas ou subutilizadas tanto dentro do perímetro urbano quando fora do mesmo, creio que esses dois municípios deveriam estimular, através de políticas públicas e programas articulados, tanto a produção orgânica quanto a agroecologia e a economia solidária, criando oportunidades para geração de trabalho e renda e, ao mesmo tempo, melhorando o abastecimento e a segurança alimentar regional, enquanto é tempo.
Por isso é importante, fundamental que as Prefeituras de Cuiabá e de Várzea Grande, bem como os demais municípios da Baixada Cuiabana, definam, neste início de uma nova gestão pública municipal, um programa amplo e abrangente de agricultura urbana e periurbana, com base na produção orgânica e na agroecologia, incentivando o uso produtivo do solo urbano, periurbano e rural, com hortifrutigranjeiros, hortas comunitárias, escolares e domésticas, oferecendo assistência técnica e creditícia e estimulo para a organização no formato de cooperativas e de economia solidária. Este poderá ser um grande salto qualitativo para a segurança alimentar e o abastecimento regional e o desenvolvimento sustentável e integrado de nosso Estado, principalmente, da Baixada Cuiabana.
Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral Região Centro Oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052